A Crucificação
(ao padre Luciano Duarte)
Mestre, eis que mais uma vez
vim sentar-me à tua mesa.
Tenho a mesma palidez
na face e a mesma tibieza
no olhar. Não temas. Lá fora
o mundo geme arrastando
máquinas, homens. Outrora,
pegaste alguém negociando
teu corpo. Mas tu, Senhor,
bem sabes: fui eu o traidor.
E viste Jerusalém
desperta, ao bater de nossos
punhos e pés contra o teu
rosto. Caíste e ninguém
te sustentou. (Ah, teus ossos
eram fortes como o ferro
dos fundamentos do céu!)
Mestre, perdoa-me se erro
ou se te afronto: eu ali
fui verdugo, e te bati.
Despedacei tua túnica
(e era ela, Senhor, a única
em nossa miséria). Entretanto,
flagelei teus pequeninos.
Dei-lhes pedra, dei-lhes pranto,
ódio, fel ao coração,
e fiz ladrões, assassinos.
Ao vê-los cair de fome,
neguei-lhes tudo: amor, pão…
— Lancei cinzas ao teu nome.
Senhor, eu não me envaideço
de te haver acompanhado,
sendo teu filho ou irmão: cresço
na tua angústia. Lavado
com teu sangue. E bebo a tua
palavra. Mas isto não
faz com que meu coração
insubmisso de homem exclua
teu grande pesar divino:
—fui também teu assassino.
(24/02/1956)